segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO

A FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO

Por: Wagner Cipriano - advogado

O Estado só justifica sua existência quando atinge objetivamente determinados fins, entre eles o bem comum e o desenvolvimento nacional, promovendo a igualdade social.

São consideradas obrigações constitucionais as atividades que o Estado executa em diversas áreas, priorizando o desenvolvimento e o bem estar.

No entanto, todas as atividades estatais têm um custo viabilizado através da captação de recursos.

Para captar esses recursos, o Estado vale-se de diversos meios, tais como: cobrança de tributos, imposição de multas, confisco de bens, doações, exploração do patrimônio nacional, venda de bens e serviços, etc.

Destaca-se entre eles o tributo, uma das principais fontes geradoras da receita, que financiará todas as atividades desenvolvidas pelo Estado.

Vocábulo originário do latim, “tributum” indicou, inicialmente, a penalidade imposta nas guerras aos povos vencidos.

Evoluiu, nos tempos feudais, para designar a contribuição dos vassalos[1] aos senhores do feudo[2].

Hoje, a expressão reflete o conjunto de contribuições que o cidadão fornece ao Estado, e que formará a receita pública, fonte financiadora de todas as suas atividades..

Mas não pára aí.

Sendo assim, o tributo surge como uma das principais fontes que municiarão os cofres públicos, permitindo que o Estado execute suas obrigações constitucionais, objetivando, primordialmente, o bem estar comum[3].

A destinação dos recursos para o bem estar social é que configura ao tributo uma conotação social, ou, mais corretamente, “função social”.[4]

Com o pagamento de tributos, o cidadão contribui para financiar as ações do Estado, que, em última análise, retornarão em seu próprio benefício.

Por outro lado, para se falar sobre a função social do tributo é necessário abordar, primeiramente, a função social do próprio Estado.

Por ordenação do art. 3º, III e IV da Constituição Federal[i], o Governo tem a função social de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, “promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Concluímos, pois, que a função social do tributo decorre de uma obrigação Constitucional do Estado, que só justifica sua existência mediante a aplicação planejada e racional dos recursos arrecadados, para que seja em benefício geral de todos.

Traçando a ordenação do Sistema Tributário Nacional, além da Constituição Federal, temos também o Código Tributário Nacional a regular a matéria.

Na nomenclatura constitucional - Art. 145 -, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

“I - impostos”;

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.”

Já no Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º, Tributo é “toda prestação pecuniária compulsória em moeda, ou , cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”[ii]

De uma maneira geral o tributo têm função social e decorre da ordenação constitucional de amenizar, se não até mesmo solucionar os problemas e disparidades que atingem a sociedade, impingindo pobreza, miséria, analfabetismo, desemprego e exclusão, em razão da ausência dos recursos básicos que integrem seus membros à sociedade, em todos os seus sentidos.

A falha do estado na alocação de recursos ao social resulta no constante agravamento da desigualdade social.

Aliás, essa falha estatal crônica na aplicação de verbas destinadas a cumprir sua função constitucional de minimizar as desigualdades sociais gera discussões sobre a real função do Tributo.

Ives Gandra da Silva Martins[iii], renomado advogado tributarista, chegou a expressar assim sua desilusão[5]: “Aos 70 anos, dos quais 46 dedicados ao estudo do direito tributário, estou, cada vez mais, convencido de que o tributo não tem nenhuma função social”.[6]

E justifica:

O povo recebe apenas – e às vezes – o efeito colateral, em serviços públicos, dos tributos que é obrigado (g.n.) a entregar ao governo, pois a verdadeira função do tributo é a manutenção dos detentores do poder, e atender às benesses oficiais, aos privilégios que os cidadãos de primeira categoria (governantes) têm em relação aos de segunda categoria (o povo em geral)”.

E conclui, afirmando: “O tributo é apenas o principal instrumento de domínio governamental”.

No entanto, o papel fundamental e constitucional do Tributo não é este.

O tributo é, constitucionalmente, a principal ferramenta e o maior meio integrador do indivíduo à sociedade, minimizando as diferenças causadas pela ausência de recursos materiais e financeiros no cotidiano daqueles que compõe a camada social denominada "pobre".

Chegamos à conclusão que o Tributo é, em suma, o conjunto de arrecadações previstas em Lei, pelo qual o Estado poderá não somente suprir as necessidades da nação, como também promover a igualdade social entre todos os indivíduos.

Nesse ponto é que o tributo adquire sua mais marcante[7] função social, ainda que por ordenação constitucional.

Vejamos:

Por ordem Constitucional, uma parcela dos Tributos arrecadada no Brasil deve ser direcionada para o social, a fim de atingir o objetivo estabelecido em seu artigo 3º, III e IV.

Assim, o percentual destinado ao MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome [8] (órgão responsável pela sua distribuição), é recambiado às mais diversas áreas do campo social, financiando ações de assistência a idosos, à família em geral, aos necessitados de amparo médico e hospitalar, aos portadores de doenças terminais como câncer e HIV, no combate à fome[9], à miséria, ao desemprego e analfabetismo, sendo que estes últimos têm recebido uma maior atenção governamental para sua amenização.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome administram programas e serviços de cunho social, sendo o principal “responsável pelas políticas nacionais de desenvolvimento social, segurança alimentar e nutricional, de assistência social e de renda e de cidadania no país. É também o gestor do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS. Criado em 23 de janeiro de 2004, pelo Presidente Lula, cabe ainda ao MDS a missão de coordenar, supervisionar, controlar e avaliar a execução dos programas de transferência de rendas, como o Bolsa Família, bem como aprovar os orçamentos gerais do Serviço Social da Indústria (SESI), do Serviço Social do Comércio (SESC) e do Serviço Social do Transporte (SEST)”.[iv]

São realmente muitos os programas sociais mantidos pelo Governo, entre os quais se destacam o Fome Zero e o Bolsa Auxílio, entre centenas de programas e ações sociais, que consomem investimentos vultosos e maciços.

Apesar toda sua preocupação com o social, o estado sente que nessa luta o que tem feito não basta. A solução parece estar realmente na busca de uma parceria.

A solução passa pela conscientização do contribuinte quanto ao valor social do tributo e da necessidade do emprego de ações solidárias por parte de toda a sociedade.

Nesse rumo, o Programa Solidariedade[10], instituído pelo Rio Grande do Sul, notou bem a necessidade de se conscientizar o contribuinte, valorizar o tributo e despertar na sociedade o sentimento solidário.

O Programa Solidariedade valoriza ações sociais tendo por base “... a parceria entre a sociedade, o Governo e as entidades escolhidas pela sociedade”.

O Programa também objetiva valorizar a participação e a cooperação do cidadão com o Estado, através do pagamento de tributos, o que “...faz parte do exercício da cidadania e advém do direito de exigir e partilhar das obras realizadas pelo Governo”.[v]

Fruto da preocupação do Governo em despertar o interesse da coletividade na solução dos problemas sociais, o governo lançou o Programa Nacional de Educação Fiscal[11], que objetiva, em síntese: “... uma harmonização na relação estado/cidadão que contemple o despertar da consciência dos direitos e deveres da verdadeira cidadania e a criação das condições necessária ao seu pleno exercício”. [vi]

O Programa visa a educação fiscal do contribuinte, de forma que o cidadão possa melhor compreender a função social do tributo, questionando a gestão dos recursos públicos e avaliando a qualidade dos gastos direcionados ao social. O governo pretende que o cidadão sinta os efeitos sociais e avalie o benefício social atingido na aplicação dos recursos arrecadados, de maneira que o próprio governo possa melhor avaliar suas funções, podendo traçar metas e planos de ação mais condizentes com a realidade dos problemas sociais.

Gerenciando recursos públicos escassos e necessidades sociais imensas, o setor público almeja atenuar as desigualdades, contando com a colaboração do cidadão para atingir uma mais justa aplicação dos recursos públicos.

O programa quer alcançar a mesma relação “harmoniosa e consciente” existente em países mais avançados, onde o governo é assessorado diretamente pela sociedade no cumprimento seu dever, fruto da existência uma relação de confiança mútua na busca do bem estar social comum que, no fundo, é e meta de todos, inclusive do próprio governo.

Revelando toda sua preocupação em despertar o interesse do cidadão pelo social, o projeto Cidadania Fiscal[12] engrossa o tema, lembrando a importância da função social do tributo como “...forma de atuação na redistribuição da Renda Nacional, funcionando como elemento de justiça social. O tributo é um instrumento que pode e deve ser utilizado para promover as mudanças e reduzir as desigualdades sociais.”

Despertamento e Mobilização da Sociedade

Paralelamente às atividades do governo, intensificam-se cada vez mais os movimentos sociais, através do trabalho voluntário, da iniciativa privada, de fundações e entidades filantrópicas, Associações, Igrejas, Ongs, Ocips, etc., que, devido a sua característica social gozam do apoio do governo e empresas.

É o despertamento geral da sociedade, que também se mobiliza para sua responsabilidade social que, até então, era vista como exclusiva do Estado.

A solução de todas as disparidades que atingem o campo social de uma nação, desde a fome e a miséria, às necessidades de amparo à saúde, educação, etc. passa a ser compromisso de todos os cidadãos, ainda que dever constitucional do Estado..

Nessa evolução e conscientização decorrente do princípio da solidariedade, o "Campo Social" deixa, gradativamente, de ser uma obrigação exclusiva do Estado, para atingir cada vez mais a esfera da responsabilidade consciente e solidária de cada indivíduo, na busca de soluções dos problemas sociais comuns.

Enquanto os governos mundiais têm reconhecido sua impotência em medicar todos os campos do social, seja por falta de verbas, seja por problemas burocráticos, seja por problemas políticos, a solidariedade contribui mobilizando e conscientizando todas as camadas da sociedade, gerando ações e movimentos sociais, como contribuições alternativas para solução dos problemas comuns.

A conscientização da sociedade surge, assim, como esforço solidário complementar à atuação do Estado, que, por si só, têm-se revelado ineficaz no trato e solução das carências humanas.

Talvez até mesmo em decorrência dessa ineficácia estatal, é que a sociedade tenha despertado para a necessidade de contribuir solidariamente para solução de problemas que não podem mais ser tidos como de responsabilidade única e exclusiva do Estado.

O empenho da sociedade constitui elemento fundamental no combate às desigualdades sociais, e contribui significativamente para minimizar os males sociais.

Juntos, sociedade e governo se mobilizam conscientemente.

Lançando-se em parceria, na busca de soluções, disparam projetos e ações sociais conjuntas, no intuito de diminuir índices gritantes de disparidades e deficiências, que se acumularam por décadas, por não terem sido tratados adequadamente.

Enquanto o Governo contribui com leis de incentivo a ações sociais, a sociedade contribui com voluntários, idéias, sugestões, mobilização, etc.

O Governo têm destacado sua prioridade no combate à fome e miséria, mas são muitas as áreas deficientes: recursos públicos escassos e necessidades sociais enormes, principalmente pelas diferenças de oportunidades entre as classes ricas e as mais desprovidas tornam imensa a área para atuação do setor público.

O despertamento causado pela consciência solidária, trouxe ao social o empenho e a contribuição de toda a nação, em uma espécie de mobilização nacional em favor do bem estar geral de todos.

A evolução da cidadania

Surge um novo tempo, em que o termo cidadania evolui para consciência de responsabilidade social solidária, e que sua participação não se limita simplesmente ao pagamento do tributo.

Em contrapartida, o Governo percebe que o dinheiro mais bem empregado é o destinado à solução dos problemas sociais.

A classe política percebe, cada vez mais, que o investimento em educação derruba os índices de violência e criminalidade, gerando progresso e empregos, gerando, enfim, bem estar social.

A história nacional nos traz o exemplo da verdadeira consciência solidária, da responsabilidade política e social. Dom Pedro I condensou e resumiu a sua, como Imperador e como cidadão, na famosa frase: “... Se for para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico !”.[13]

Colocando o coletivo acima do particular, revelou uma consciência solidária e participativa nos rumos e destinos da nação, para a qual buscou o “bem de todos”.

Ele, percebendo seu papel de governo e de cidadão, se engajou pessoalmente na responsabilidade social solidária, fôlego que impulsiona o país no caminho das grandes transformações.

A solidariedade realmente despertou sentimentos latentes, adormecidos em ambas as partes.

Exemplo histórico de consciência solidária e iniciativa social foi o do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que em 1993 iniciou um movimento nacional contra a fome. Em questão de meses o projeto solitário esparramou pelo país, arrebanhando milhares de pessoas que, organizadas em comitês, passaram a arrecadar e distribuir alimentos[vii].

Betinho, vitorioso, ensinava[viii]: “Tudo que acontece no mundo, seja no meu país, na minha cidade ou no meu bairro, acontece comigo. Então eu preciso participar das decisões que interferem na minha vida. Um cidadão com um sentimento ético forte e consciência de cidadania não deixa passar nada, não abre mão desse poder de participação.”.

Outra iniciativa bem sucedida foi a de lavradores sem terra da Associação Comunitária de Tucunzeiros, no Estado do Ceará. Compraram uma fazenda com a ajuda do governo e de bancos privados. Eles agora produzem côco e castanha de caju. [ix]

Projetos como esse têm procurado melhorar a situação social no campo.

Toda essa sucessão de fatos tem contribuído para que Governo e Sociedade passem a caminhar juntos, “acordando” simultaneamente para seus direitos, deveres e obrigações, sejam elas constitucionais ou solidárias.

Se por um lado cabe ao governo bem aplicar seus recursos no campo social, cabe ao contribuinte não sonegar, acompanhando, avaliando e opinando, com propostas e sugestões, sobre as diretrizes e metas destinadas a melhor enfrentar e combater os males sociais.

Na busca das melhorias, não basta criticar, há que se participar.

Conceitos como Liberdade Democracia, Justiça e Cidadania, foram construídos ao longo da história e se modificam com o tempo, estando sujeitos a serem ampliados e aperfeiçoados, como também limitados por meio de transformações sociais, assim também a responsabilidade social solidária e participativa é um conceito a ser moldado e aperfeiçoado pela própria história.

Esse conceito, uma vez formado e absorvido pelo cidadão, conduzirá a sociedade na busca participativa de soluções para as questões sociais, proporcionando a união dessas duas forças (estado/cidadão), que representa o melhor caminho para profundas transformações sociais.

Somente a melhor compreensão da função social do tributo e o engajamento da sociedade de forma solidária nas ações sociais permitirão seja alcançada a relação de harmonia e cooperação hoje existentes em países mais desenvolvidos.

Se não for alcançado o objetivo de extinguir, por certo serão consideravelmente minimizados os problemas sociais que agravam a nação.

Casamento perfeito

A construção de uma nova relação estado-cidadão, de harmonia, confiança e cooperação, em um casamento perfeito, viabilizará o nascimento da consciência de responsabilidade social participativa e solidária voltada ao bem comum, atingindo a finalidade maior da existência do Governo: o de trabalhar em proveito da própria nação. É a conscientização dos poderes públicos e a evolução da cidadania que, aliados, tem o poder de alavancar o desenvolvimento de uma nação em toda a sua plenitude.

Bibliografia


[1] vassalo: servo que ocupava a terra mediante retribuição em moeda, serviços ou bens.

[2] senhor feudal: proprietário da terra, integrante da nobreza feudal.

[3] “bem comum” – o bem comum de todos os cidadãos é o objetivo maior e constitucional do Estado.

[4] “função social” – representa o objetivo pelo qual os impostos pagos reverterão em benefício da própria sociedade.

[5] http://www.portaltributario.com.br/artigos/tributosopressores.htm

[6] Ives Gandra da Silva Martins – prof. emérito da Univ. Mackenzie, da UniFMU e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército, é presidente da Academia Paulista de Letras.

[7] Pela Constituição. Federal, são “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”: “...erradicar a pobreza...”, “...reduzir desigualdades sociais...” e “...promovendo o bem de todos...” –cf. Art. 3°, incisos III e IV

[8] MDS – http://www.mds.gov.br

[9] http://www.fomezero.gov.br/

[10] Programa Solidariedade – instituído pelo Governo do Rio Grande do Sul, objetiva “conscientizar o contribuinte que o pagamento de impostos faz parte do exercício da cidadania, e advém do direito de exigir e partilhar das obras realizadas pelo governo.”

[11] http://www.sefaz.ac.gov.br/efiscal/Programa%20nacional.htm

[12] http://www.receita.fazenda.gov.br/CidadaniaFiscal/default.htm

[13] D. Pedro I – Imperador do Brasil – Proclamação da República


[i] Constituição Federal -

[ii] Código Tributário Nacional – art. 3°

[iii] Martins, Ives Gandra da Silva – Tributos e Benesses do Poder – Folha de São Paulo – 27.01.2005 - http://www.portaltributario.com.br/artigos/tributosopressores.htm

[iv] Ministério do Desenvolvimento Social – http://www.mds.gov.br/o ministério/missão , 09.02.2006

[v] Programa Solidariedade – Rio Grande do Sul

[vi] http://www.sefaz.ac.gov.br/efiscal/Programa%20nacional.htm

[vii] Vesentini, Martins e Pécora – História e Geografia 4 – Vivência e Construção – Editora Ática – pág. 179

[viii] Ética e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1994

[ix] Vesentini, Martins e Pécora – História e Geografia 4 – Vivência e Construção – Editora Ática – pág. 179